Pacientes estão usando remédios à base da cannabis para combater diversas doenças como epilepsia e também para autismo
“Quando a gente fala do uso medicinal da maconha, todo mundo tem preconceito. As pessoas não conhecem, mas só nós que realmente precisamos, sabemos da importância disso”. O relato é de Marta Valéria Hiath Trezena, mãe de K., de 17 anos, que tem síndrome de West (tipo raro de epilepsia), autismo e conseguiu bons resultados após o uso do óleo da cannabis (a planta da maconha). Embora haja um movimento pela legalização do uso medicinal da planta, pouco ainda se sabe e se discute sobre o assunto. Em Campos, um grupo tem se mobilizado há cerca de dois meses para falar sobre o tema, prestar atendimento gratuito para quem precisa e dar apoio aos pacientes.
O óleo extraído da cannabis pode ser utilizado, principalmente, para o tratamento de pacientes com epilepsia, autismo e dores crônicas. Atualmente, para ter acesso aos medicamentos à base das substâncias da cannabis, é necessário que o paciente ou o responsável tenha uma receita médica e faça uma solicitação à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para, legalmente, importar os medicamentos feitos a partir da cannabis. Eles podem ser comprados de países como os Estados Unidos, Canadá e Holanda. Os preços variam de acordo com a demanda, mas podem custar em média R$ 2 mil. Entre outros motivos, o valor elevado e toda a burocracia para a importação deste medicamento, são alguns dos fatores importantes que provocaram a mobilização do grupo em Campos.
“O objetivo é incentivar as pessoas a cultivar a maconha não para ter fins lucrativos, mas para usar como uma medicação, assim como atualmente as pessoas usam o boldo e a erva-cidreira, por exemplo. Que as pessoas possam fazer sua horta e tenham consciência dos benefícios para a saúde. É uma planta medicinal”, contou C.R.A, que tem 52 anos e é uma das organizadoras do grupo em Campos. Ela faz o uso autorizado do óleo há cerca de dois anos devido a uma artrose cervical lombar que causava fortes dores. C.R.A. pediu para ser identificada apenas pelas iniciais nesta reportagem.
Em Campos
O grupo recém-surgido na cidade é um ‘braço’ da Associação Brasileira Para Cannabis (AbraCannabis), que tem parcerias com instituições como a Fiocruz e a UFRJ. O grupo conta ainda com a colaboração do médico Nathan Kamliot, especialista em Terapia Intensiva e em Saúde Pública e um dos diretores da AbraCannabis no RJ.
“Em Campos, tenho atendido estes pacientes uma vez por semana de forma voluntária. Cada caso é analisado. O que estamos fazendo na cidade é tentar continuar o que já é feito no Rio de Janeiro. É um trabalho inicial ainda, mas a perspectiva é muito boa. Este é um medicamento que ainda é de acesso difícil, pois não é todo médico que prescreve e o custo é muito alto. Uma das vantagens da cannabis é que o paciente geralmente não precisa usar outros medicamentos tão agressivos”, explicou.
O médico conta ainda que teve o interesse despertado pelo assunto após conhecer um caso de tratamento bem sucedido. “Há cinco anos um paciente que eu já conhecia, que tinha coreia de Huntington (doença rara e incurável em que as células nervosas se rompem), melhorou muito a partir do uso do óleo de cannabis. Então, eu passei a me interessar mais sobre o assunto. Além disso, me formei na França e, na Europa, a cannabis é utilizada como suplemento alimentar e é vendida em qualquer lugar”.
Pesquisadora da Uenf (Foto: Carlos Grevi)
Entre os principais componentes da cannabis usados na produção dos medicamentos, estão o canabidiol CBD e/ou tetrahidrocannabinol (THC). Aluna do segundo ano do Doutorado em Produção Vegetal, com ênfase em química dos produtos naturais, da Universidade Estadual Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), Ingrid Trancoso trabalha atualmente em uma pesquisa sobre o manejo da planta. O objetivo é descobrir como alguns fatores do manejo interferem na produção destes componentes utilizados nos medicamentos, para assim descobrir realmente qual é a melhor forma de produzi-los.
“Os compostos da planta apresentam uma variação muito grande e tudo pode influenciar isso. A planta tem uma gama terapêutica ampla e isso é o que mais me chama atenção. Além disso, existe uma demanda que não é atendida. São pouquíssimas pesquisas com a cannabis aqui no Brasil e acredito que a minha pode ajudar muitas pessoas. Eu sozinha não faço nada, mas em parceria com outros profissionais posso ajudar”, comentou.
A Marta Valéria, citada no início desta reportagem, é um dos casos de pessoas que vivem na esperança de que o uso legal destes medicamentos seja de acesso mais fácil. A mãe do K. já estava há mais de dois meses sem conseguir dormir, por causa das crises convulsivas do filho, que aconteciam entre 7 e 9 vezes durante o dia e também de madrugada. Foi então que, após seu outro filho falar sobre os benefícios do óleo da cannabis, ela buscou ajuda.
“No início, meu esposo não queria aceitar por causa do preconceito, mas o K. ultimamente estava muito agitado e tinha ainda mais crises. Eu o levei em um neurologista e o médico disse que não havia mais o que fazer, porque ele já tinha tentado várias alternativas. A solução sugerida por ele foi a gente se revezar aqui em casa para ficar acordado vigiando o K. Mas ele só piorava… Então, depois de tentar de tudo, resolvemos buscar ajuda e testar o óleo”, lembrou. A família, que mora no Espírito Santo, veio a Campos para o atendimento com o Dr. Nathan Kamliot, que aconteceu no último dia 12. Os resultados já são celebrados.
“Logo após a consulta, ele começou a fazer o uso do óleo com uma amostra que recebemos. No mesmo dia, eu já percebi uma melhora. Desde então, ele está muito mais calmo. Ele não precisa ficar mais com a mão amarrada, como ficava antes para evitar que se batesse, e as crises convulsivas diminuíram consideravelmente. O óleo fez um bem para meu filho que a medicina tradicional não conseguiu. Eu já tive preconceito e digo que as pessoas precisam perder essa visão deturpada que alguns ainda têm”.
(Foto: Arquivo pessoal)
Evolução celebrada Alice Mothé é mãe dos gêmeos I. e B., de oito anos, que têm autismo e deficiências metabólicas. Ela também é uma das organizadoras do ‘braço’ da AbraCannabis em Campos. Até os seis anos de idade, antes do início deste tratamento, os gêmeos tinham dificuldade de comunicação e outros problemas.
“Antes do uso do óleo, eles eram crianças hiperativas, com déficit de atenção, dificuldades na fala e ficavam regularmente doentes, porque o sistema imunológico deles era muito frágil. Outro problema é que o uso dos antibióticos alopáticos nunca fez bem a eles. Eles passavam muito mal com as drogas convencionais, não tinham respostas e isso debilitava muito os dois”, relatou. Depois que conheceu os benefícios do óleo da cannabis, Alice buscou o tratamento para os filhos, que já dura dois anos. O custo do tratamento é de R$ 3 mil em média por mês para os dois.
“Atualmente eles são crianças reguladas, aprenderam a ler e a escrever, se comunicam muito bem e falam perfeitamente. A atenção e a hiperatividade melhoraram muito também. Eles não conseguiam ficar parados em uma única atividade, mas hoje estão mais concentrados e os resultados médicos na saúde deles também evoluíram. São gotinhas pingadas na língua que melhoraram muito a qualidade de vida deles. Hoje eu vejo meus filhos com um desenvolvimento típico, de acordo com a idade cronológica deles. Além disso, estão se desenvolvendo muito bem nos estudos também.
Dra. Isabela, psiquiatra (Foto: Carlos Grevi)
Opinião de especialista
Apesar de muitos benefícios relatados por quem defende a causa, o uso da cannabis para tratamento médico causa opiniões divergentes. Recentemente, a Anvisa, responsável por autorizar o paciente a importar o óleo, adiou a decisão que poderia regulamentar a produção, plantio e transporte da maconha medicinal pelas empresas farmacêuticas e sobre o registro de medicamentos produzidos à base de cannabis.
O óleo extraído da cannabis pode ser utilizado, principalmente, para o tratamento de pacientes com epilepsia, autismo e dores crônicas. Atualmente, para ter acesso aos medicamentos à base das substâncias da cannabis, é necessário que o paciente ou o responsável tenha uma receita médica e faça uma solicitação à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para, legalmente, importar os medicamentos feitos a partir da cannabis. Eles podem ser comprados de países como os Estados Unidos, Canadá e Holanda. Os preços variam de acordo com a demanda, mas podem custar em média R$ 2 mil. Entre outros motivos, o valor elevado e toda a burocracia para a importação deste medicamento, são alguns dos fatores importantes que provocaram a mobilização do grupo em Campos.
“O objetivo é incentivar as pessoas a cultivar a maconha não para ter fins lucrativos, mas para usar como uma medicação, assim como atualmente as pessoas usam o boldo e a erva-cidreira, por exemplo. Que as pessoas possam fazer sua horta e tenham consciência dos benefícios para a saúde. É uma planta medicinal”, contou C.R.A, que tem 52 anos e é uma das organizadoras do grupo em Campos. Ela faz o uso autorizado do óleo há cerca de dois anos devido a uma artrose cervical lombar que causava fortes dores. C.R.A. pediu para ser identificada apenas pelas iniciais nesta reportagem.
Em Campos
O grupo recém-surgido na cidade é um ‘braço’ da Associação Brasileira Para Cannabis (AbraCannabis), que tem parcerias com instituições como a Fiocruz e a UFRJ. O grupo conta ainda com a colaboração do médico Nathan Kamliot, especialista em Terapia Intensiva e em Saúde Pública e um dos diretores da AbraCannabis no RJ.
“Em Campos, tenho atendido estes pacientes uma vez por semana de forma voluntária. Cada caso é analisado. O que estamos fazendo na cidade é tentar continuar o que já é feito no Rio de Janeiro. É um trabalho inicial ainda, mas a perspectiva é muito boa. Este é um medicamento que ainda é de acesso difícil, pois não é todo médico que prescreve e o custo é muito alto. Uma das vantagens da cannabis é que o paciente geralmente não precisa usar outros medicamentos tão agressivos”, explicou.
O médico conta ainda que teve o interesse despertado pelo assunto após conhecer um caso de tratamento bem sucedido. “Há cinco anos um paciente que eu já conhecia, que tinha coreia de Huntington (doença rara e incurável em que as células nervosas se rompem), melhorou muito a partir do uso do óleo de cannabis. Então, eu passei a me interessar mais sobre o assunto. Além disso, me formei na França e, na Europa, a cannabis é utilizada como suplemento alimentar e é vendida em qualquer lugar”.
Pesquisadora da Uenf (Foto: Carlos Grevi)
Entre os principais componentes da cannabis usados na produção dos medicamentos, estão o canabidiol CBD e/ou tetrahidrocannabinol (THC). Aluna do segundo ano do Doutorado em Produção Vegetal, com ênfase em química dos produtos naturais, da Universidade Estadual Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), Ingrid Trancoso trabalha atualmente em uma pesquisa sobre o manejo da planta. O objetivo é descobrir como alguns fatores do manejo interferem na produção destes componentes utilizados nos medicamentos, para assim descobrir realmente qual é a melhor forma de produzi-los.
“Os compostos da planta apresentam uma variação muito grande e tudo pode influenciar isso. A planta tem uma gama terapêutica ampla e isso é o que mais me chama atenção. Além disso, existe uma demanda que não é atendida. São pouquíssimas pesquisas com a cannabis aqui no Brasil e acredito que a minha pode ajudar muitas pessoas. Eu sozinha não faço nada, mas em parceria com outros profissionais posso ajudar”, comentou.
A Marta Valéria, citada no início desta reportagem, é um dos casos de pessoas que vivem na esperança de que o uso legal destes medicamentos seja de acesso mais fácil. A mãe do K. já estava há mais de dois meses sem conseguir dormir, por causa das crises convulsivas do filho, que aconteciam entre 7 e 9 vezes durante o dia e também de madrugada. Foi então que, após seu outro filho falar sobre os benefícios do óleo da cannabis, ela buscou ajuda.
“No início, meu esposo não queria aceitar por causa do preconceito, mas o K. ultimamente estava muito agitado e tinha ainda mais crises. Eu o levei em um neurologista e o médico disse que não havia mais o que fazer, porque ele já tinha tentado várias alternativas. A solução sugerida por ele foi a gente se revezar aqui em casa para ficar acordado vigiando o K. Mas ele só piorava… Então, depois de tentar de tudo, resolvemos buscar ajuda e testar o óleo”, lembrou. A família, que mora no Espírito Santo, veio a Campos para o atendimento com o Dr. Nathan Kamliot, que aconteceu no último dia 12. Os resultados já são celebrados.
“Logo após a consulta, ele começou a fazer o uso do óleo com uma amostra que recebemos. No mesmo dia, eu já percebi uma melhora. Desde então, ele está muito mais calmo. Ele não precisa ficar mais com a mão amarrada, como ficava antes para evitar que se batesse, e as crises convulsivas diminuíram consideravelmente. O óleo fez um bem para meu filho que a medicina tradicional não conseguiu. Eu já tive preconceito e digo que as pessoas precisam perder essa visão deturpada que alguns ainda têm”.
(Foto: Arquivo pessoal)
Evolução celebrada Alice Mothé é mãe dos gêmeos I. e B., de oito anos, que têm autismo e deficiências metabólicas. Ela também é uma das organizadoras do ‘braço’ da AbraCannabis em Campos. Até os seis anos de idade, antes do início deste tratamento, os gêmeos tinham dificuldade de comunicação e outros problemas.
“Antes do uso do óleo, eles eram crianças hiperativas, com déficit de atenção, dificuldades na fala e ficavam regularmente doentes, porque o sistema imunológico deles era muito frágil. Outro problema é que o uso dos antibióticos alopáticos nunca fez bem a eles. Eles passavam muito mal com as drogas convencionais, não tinham respostas e isso debilitava muito os dois”, relatou. Depois que conheceu os benefícios do óleo da cannabis, Alice buscou o tratamento para os filhos, que já dura dois anos. O custo do tratamento é de R$ 3 mil em média por mês para os dois.
“Atualmente eles são crianças reguladas, aprenderam a ler e a escrever, se comunicam muito bem e falam perfeitamente. A atenção e a hiperatividade melhoraram muito também. Eles não conseguiam ficar parados em uma única atividade, mas hoje estão mais concentrados e os resultados médicos na saúde deles também evoluíram. São gotinhas pingadas na língua que melhoraram muito a qualidade de vida deles. Hoje eu vejo meus filhos com um desenvolvimento típico, de acordo com a idade cronológica deles. Além disso, estão se desenvolvendo muito bem nos estudos também.
Dra. Isabela, psiquiatra (Foto: Carlos Grevi)
Opinião de especialista
Apesar de muitos benefícios relatados por quem defende a causa, o uso da cannabis para tratamento médico causa opiniões divergentes. Recentemente, a Anvisa, responsável por autorizar o paciente a importar o óleo, adiou a decisão que poderia regulamentar a produção, plantio e transporte da maconha medicinal pelas empresas farmacêuticas e sobre o registro de medicamentos produzidos à base de cannabis.
Para a psiquiatra Gabriela Dal Molin, que atende jovens e também é professora da Faculdade de Medicina de Campos (FMC), o tema é atual e delicado. Ela nunca prescreveu o uso da maconha medicinal, mas demonstra preocupação sobre o uso da maconha comum.
“O uso medicinal tem critérios a serem seguidos e pode favorecer certo alívio, tais como: náuseas causadas pelo câncer, esclerose, anorexia e convulsões. Porém, o uso da maconha comum ainda demonstra preocupação em particular, principalmente em relação aos jovens. Questiona-se se a liberação para o uso medicinal estaria contribuindo para passar a ideia de que a maconha é uma substância inofensiva, mesmo com estudos que mostram seu potencial prejuízo ao desenvolvimento. É importante salientar que maconha tradicional pode causar surto psicótico devido a componentes alucinógenos e transtorno de ansiedade”, pontuou.
Jornal Terceira Via
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